Artigo publicado originalmente em Seja Mudança, em 10/06/2020.
Ciente de desfrutar o privilégio da branquitude, sem tomar o lugar de fala que não me cabe, mas me posicionando de forma antiracista ao sistema que escrevo este texto.
A cada corpo preto no chão, seja Marielle Franco, Evaldo Rosa, Luciano Macedo, Ágatha Félix, João Pedro Pinto, George Floyd ou Miguel Otávio da Silva, sentimos o racismo estrutural institucional socar nosso rosto. Racismo esse que é internacional e imperialista.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi escrita em 1948 para reparar os horrores cometidos na II Guerra Mundial, praticados por brancos, contra uma maioria branca. Algo parecido, direcionado ao povo preto, só foi escrito 19 anos depois, mas reparação histórica contra o povo preto, pelos 400 anos de Diáspora Africana, não foi feita devidamente, principalmente em solo tupiniquim.
Desde de que começaram os protestos antirracistas estadunidenses, decorrentes do assassinato do músico George “Big” Floyd, por policiais de Minneapolis, no estado de Minnesota, começaram as comparações com nossos atos, por parte de pessoas que parecem que não vivem no país que mata um jovem preto a cada 23min. Onde, pra ser vítima da violência policial, não precisa nem sair de casa, como no caso de João Pedro Pinto e tantos outros. Onde a polícia oprime protesto legítimos e afaga os fascistas.
Tendo em vista nosso cenário, precisamos analisar como podemos criar políticas que viabilizem uma sociedade antirracista a partir de agora.
Um grande obstáculo no enfrentamento do racismo institucional é falta de representatividade. Há alguns dispositivos legais que só arranham esta carência, como a Lei Ordinária 3110, a Lei Federal nº 12.288 e a Lei nº 12.711. Seria necessária uma cotização real, não só nas universidades(que deixam a desejar, diga-se de passagem), mas em todas as esferas da sociedade brasileira.
Deveríamos ter 55,8%(não vou entrar no recorte de gênero, por hora, por incompetência matemática) das vagas para negros e pardos (arredondado pra cima), em UF/IF em cada curso/turno. Se a UFF(Universidade Federal Fluminense) tem 60 vagas pra direito, em 3 turnos, 23/40 matinais, 9/15 vespertinas e 3/5 noturnas deveriam ser para negros e pardos.
Deveríamos ter o mesmo recorte étnico no funcionalismo público. Se há 99% de juízes brancos, há de se fazer os próximos concursos só para negros e pardos afim de que a cota étnica de 55,8% seja atendida mais brevemente.
Deveríamos cotizar o legislativo em todas as esferas, de modo a contarmos com 287/513 deputados federais, 46/81 senadores, 38/70 deputados estaduais(RJ) e 11/24 vereadores(45,1% é o último índice registrado em Niterói-RJ) negros e pardos.
Outro problema é a reparação material. Não houve nenhuma reparação por parte do estado brasileiro às vítimas da Diáspora Africana e seus descendentes. O Brasil sequestrou, escravizou, torturou e estuprou o povo preto durante 388 anos e não pagou por isso.
Quando a Lei Áurea chegou, depois de 308 anos de luta quilombola e 90 anos de luta abolicionista, os agora libertos, foram largados a própria sorte sem terra, sem renda e sem emprego. Só debateu-se a reparação dos senhores, mas não das vítimas destes. O recalque dos senhores com a negativa da indenização foi um dos agregadores ao Golpe Militar de 1889, erroneamente chamado de proclamação da república.
Os 20 mil militares pretos, sobreviventes ou descendentes destes, que combateram na Guerra do Paraguai, provavelmente dariam trabalho aos golpistas, num retorno a escravidão, então o Estado começou o promover programas de imigração de mão de obra branca, italiana primeiramente, pra não empregar a mão de obra preta e instauraram um programa de branqueamento.
BROCOS, M. A Redenção de Cam. 1895. 1 original de arte, óleo sobre tela, 199 cm x 166 cm. |
Sei que tô muito palestrinha, mas tô chegando lá.
Em 1994, o Movimento Pelas Reparações (MPR) dos afrodescendentes no Brasil, orçou a reparação material do povo preto. Corrigindo os valores pra 2020, os beneficiados da exploração dessa mão de obra gratuita são devedores de US$ 10.622.320.000.000,00(dez trilhões seiscentos e vinte dois bilhões e trezentos e vinte milhões de dólares). O que daria US$ 91.585,96 ou R$ 448.780,36, para cada um. O deputado federal Paulo Paim(PT) até fez um Projeto de Lei, em 1995, mas foi arquivado.
Um “Cartão Reparação”, nos moldes do Bolsa Família e Auxílio Emergencial ao Cidadão, com valor de R$ 9.349,60 mensais, durante 4 anos(com as devidas correções inflacionais anuais) deixaria tudo quite NUM ÚNICO MANDATO. Além de ser ético, não pesaria no bolso do Estado e fomentaria a economia.
“Tá, seria ótimo! Mas como faz?”, você diria e a resposta é simples: Organização, organização, organização.
Como você se organiza politicamente? Associação de moradores, grêmio estudantil, coletivo, sindicato, partido? O ideal é todas as anteriores. A sociedade civil organizada é o que nos torna uma força democrática. Se você não se organiza, ficará mais difícil ser ouvido. Não adianta ir a urna de 2 em dois anos e ir protestar eventualmente.
Participe da sua associação de bairro, ou crie uma caso não haja. O mesmo vale pro grêmio estudantil ou uma causa defendida por um coletivo. Sindicalize-se. Os sindicatos foram feitos pra defender você e seus colegas de categoria. Tem um partido que vota com frequência por concordar com suas propostas? Filie-se!
Nos envolvendo no processo político é o jeito mais fácil de alcançar a representatividade real.