quinta-feira, 4 de abril de 2024

Subserviência linguística na Trilogia Trambolhão


Eu implico com anglicismo desde muito tempo, mas a primeira vez que me recordo foi lendo o Módulo Básico do GURPS, em 1995. Não me entrava na cabeça não traduzir Role Playing Game (que é Jogo de Interpretação de Papéis) e as abreviaturas dos atributos ST, DX, IQ e HT (que deveriam ser FR, DS, IT e SU, como já mostrei).

Em todos esses anos nessa indústria vital, presenciei uma série de outros casos do que o jornalista Gilson Barbosa chamou de subserviência linguística.

“O intervalo para o café, nas reuniões, virou coffee-break. A entrega em domicílio, delivery. Um estabelecimento comercial não oferece mais 10% de desconto e, sim, 10% off. Há prédios, em Fortaleza, com nomes como The Place ou Green Tower, ou coisa que os valha.”

Ah, Xiko. Mas todo mundo fala inglês é pretty common!

Pra quem, cara parda (que pálida só branquíssimo)?! No dia à dia da classe trabalhadora, seja na padaria, na quitanda, na praça, no ônibus, na praia, fala-se português, independente do seu tesão gringo pequeno-burguês.

Davi Siqueira fala disso, também:

“Esse aculturamento linguístico não é um processo novo e nem exclusivo do Brasil. Ao longo da história, diferentes línguas se impuseram pela força do poderio econômico e militar. O que causa espécie, em tal caso, é o fato despolitizado e subserviente com que as elites intelectuais deste país se sujeitam impavidamente a esse processo. Falar, escrever ou citar frases ou expressões em inglês virou chique, elegante... culto!!!”

Portanto, imbuído da jardinagem bilaquiana, regarei a Última flor do Lácio

Ouvi falar do Neuromante, do Willian Gibson, no final da década de 1980, por meio de fãvistas. Curtia ficção científica, e achei legal quando revi as referências nos JIP como GURPS Cyberpunk e Cyberpunk 2020, no desenho animado O Fantasma do Futuro e no filme Matrix (que devia ser Matriz, por essas bandas). Porém só tive contato com a obra em 2017. Mas li só dois capítulos pra matar o tempo, e não retornei.

Editora Aleph, 2008.

A picuinha com o título na língua original aumentou, quando num debate no Grupo GURPS Brasil, no Telegram, dei de cara com essa capa feita pela ilustradora italiana Katerina Ladon.

https://fuckyeahcyber-punk.tumblr.com/post/109183518584/katerina-ladon

Ah, mas é arte de fã, você dirá, o título da publicação deve estar que nem o nosso. 

Fui procurar a primeira edição de 1986 e, pasmem, estava traduzido. Assim como a versão francesa (1985), a catalã (1988), a PORTUGUESA (1988), a grega (1989), a holandesa (1989), a finlandesa (1991), a eslovena (1997) e a espanhola (1997). Todas com o título em sua língua mater, menos na edição da Aleph (1991).

Neuromante francês, La Découverte, 1985

Neuromante, italiano, Nord, 1986

Neuromante catalão, Pleniluni, 1988

Neuromante português, Gradiva, 1988

Neuromante grego, Aquarius, 1989

Neuromante holandês, Meulenhoff, 1989

Neuromante brasileiro, Aleph, 1991

Neuromante finlandês, WSOY, 1991

Neuromante esloveno, Cankarjeva, 1997

Neuromante espanhol, Minotauro, 1997

Quando Nelson Rodrigues dizia, “Por “complexo de vira-lata” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem”, não era a toa. Mas isso pode ser mais cientificamente esmiuçado pela Teoria Marxista da Dependência, proposta por Ruy Mauro Marini e companhia, a qual não tenho tanta leitura como deveria. Mas deixo esse documentário pra você se animar com o tema.

Voltando a Trilogia Trambolhão, que nem isso traduziram, assim como franceses (Trilogie de la Conurb), italianos (Trilogia dell'Agglomerato) e espanhóis (Trilogia del Ensanche) fizeram por mais fácil que fosse.

SPRAWL (spról), s. Trambolhão; v. t. e i. Espichar-se, estender-se ao comprido; estatelar-se; dar trambolhões. ROSA, Ubiratan.

Enfim, gostei muito das capas da edição de 2016 da trilogia, com as artes do espanhol Josan “Deathburger” Gonzales e achei que mereciam uma versão brasileira de verdade.




Bom, espero que tenha gostado da arte e do anti-imperialismo deste textículo. Beijo no quengo e até a próxima.

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