Eu implico com anglicismo desde muito tempo, mas a primeira vez que me recordo foi lendo o Módulo Básico do GURPS, em 1995. Não me entrava na cabeça não traduzir Role Playing Game (que é Jogo de Interpretação de Papéis) e as abreviaturas dos atributos ST, DX, IQ e HT (que deveriam ser FR, DS, IT e SU, como já mostrei).
Em todos esses anos nessa indústria vital, presenciei uma série de outros casos do que o jornalista Gilson Barbosa chamou de subserviência linguística.
“O intervalo para o café, nas reuniões, virou coffee-break. A entrega em domicílio, delivery. Um estabelecimento comercial não oferece mais 10% de desconto e, sim, 10% off. Há prédios, em Fortaleza, com nomes como The Place ou Green Tower, ou coisa que os valha.”
Ah, Xiko. Mas todo mundo fala inglês é pretty common!
Pra quem, cara parda (que pálida só branquíssimo)?! No dia à dia da classe trabalhadora, seja na padaria, na quitanda, na praça, no ônibus, na praia, fala-se português, independente do seu tesão gringo pequeno-burguês.
Davi Siqueira fala disso, também:
“Esse aculturamento linguístico não é um processo novo e nem exclusivo do Brasil. Ao longo da história, diferentes línguas se impuseram pela força do poderio econômico e militar. O que causa espécie, em tal caso, é o fato despolitizado e subserviente com que as elites intelectuais deste país se sujeitam impavidamente a esse processo. Falar, escrever ou citar frases ou expressões em inglês virou chique, elegante... culto!!!”
Portanto, imbuído da jardinagem bilaquiana, regarei a Última flor do Lácio.
Ouvi falar do Neuromante, do Willian Gibson, no final da década de 1980, por meio de fãvistas. Curtia ficção científica, e achei legal quando revi as referências nos JIP como GURPS Cyberpunk e Cyberpunk 2020, no desenho animado O Fantasma do Futuro e no filme Matrix (que devia ser Matriz, por essas bandas). Porém só tive contato com a obra em 2017. Mas li só dois capítulos pra matar o tempo, e não retornei.
Editora Aleph, 2008. |
A picuinha com o título na língua original aumentou, quando num debate no Grupo GURPS Brasil, no Telegram, dei de cara com essa capa feita pela ilustradora italiana Katerina Ladon.
Ah, mas é arte de fã, você dirá, o título da publicação deve estar que nem o nosso.
Fui procurar a primeira edição de 1986 e, pasmem, estava traduzido. Assim como a versão francesa (1985), a catalã (1988), a PORTUGUESA (1988), a grega (1989), a holandesa (1989), a finlandesa (1991), a eslovena (1997) e a espanhola (1997). Todas com o título em sua língua mater, menos na edição da Aleph (1991).
Neuromante francês, La Découverte, 1985 |
Neuromante, italiano, Nord, 1986 |
Neuromante catalão, Pleniluni, 1988 |
Neuromante português, Gradiva, 1988 |
Neuromante grego, Aquarius, 1989 |
Neuromante holandês, Meulenhoff, 1989 |
Neuromante brasileiro, Aleph, 1991 |
Neuromante finlandês, WSOY, 1991 |
Neuromante esloveno, Cankarjeva, 1997 |
Neuromante espanhol, Minotauro, 1997 |
Quando Nelson Rodrigues dizia, “Por “complexo de vira-lata” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem”, não era a toa. Mas isso pode ser mais cientificamente esmiuçado pela Teoria Marxista da Dependência, proposta por Ruy Mauro Marini e companhia, a qual não tenho tanta leitura como deveria. Mas deixo esse documentário pra você se animar com o tema.
Voltando a Trilogia Trambolhão, que nem isso traduziram, assim como franceses (Trilogie de la Conurb), italianos (Trilogia dell'Agglomerato) e espanhóis (Trilogia del Ensanche) fizeram por mais fácil que fosse.
SPRAWL (spról), s. Trambolhão; v. t. e i. Espichar-se, estender-se ao comprido; estatelar-se; dar trambolhões. ROSA, Ubiratan.
Enfim, gostei muito das capas da edição de 2016 da trilogia, com as artes do espanhol Josan “Deathburger” Gonzales e achei que mereciam uma versão brasileira de verdade.
Bom, espero que tenha gostado da arte e do anti-imperialismo deste textículo. Beijo no quengo e até a próxima.
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